23.4.11

A casa

 



















Conheces a casa sombria entre o pinhal e o mar. É um lugar onde o sol não entra nas horas em que está mais próximo. De um lado, o denso e desregrado mato, barra a luz, deixando passar apenas o que lhe aprouver, conforme o movimento da ramagem. É um lugar bravio, onde as silvas ocuparam já o caminho por onde a família passeava há seis anos atrás, quando ocupou a casa, recusando as leis da razão, aceitando o desafio do desconhecido para além do subúrbio urbano que, não sem pesar, deixaram.


Nos finais das tardes de Verão, o lado poente não tem brancos. O alaranjado invade o espaço e cada forma cria sombras tão negras, elas próprias outras formas e o abacateiro e a laranjeira da frente, desenham nas paredes dos quartos, em movimento cintilante, como luzes de natal.
Nas noites de luar, pela janela da cozinha, enquanto desfio o peru para o jantar, as árvores recortam-se negras no desenho em contra-luz.
Escolhi o lugar. Sem mapas nem cruzes, nem buscas de tesouros, encontrei-o simplesmente. Não tão isolada como gostaria, a velha casa augurava trabalhos e investimentos fora do meu alcance. Mas decidi ficar. O meu amor encolheu os ombros, recolheu a cabeça, afastando-a da realidade, e ficou também. Outros se seguiram. Um pequeno movimento alterou vidas, modo de estar, permitiu novas realidades como histórias de um filme, sequenciais e encadeadas. Acontecimentos que despoletaram outros, reforçam, dramatizam. É uma história com pequenos e imprevisíveis fins, sem ninguém com o poder de os decidir.

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