11.8.11

"PORQUE EU SOU DO TAMANHO DO QUE VEJO"



O dia amanhecera com chuva e frio. A Mulher tomou um banho quente, levou o pequeno-almoço ao filho, deu-lhe a roupa preparada no dia anterior e depois de colocados todos os acessórios, saíram.
Debaixo de um céu cinza, entrou na cidade. Tem minutos nas mãos e caminha no sentido oposto ao lugar onde deve estar às nove horas. As montras têm roupas bonitas e os edifícios seculares deixam adivinhar conforto.
Mas à mudança da paisagem reage com tristeza e medo. Sente o desconforto do costume, longe do lugar onde o espaço se vê e sente, onde se ouvem os grilos, e as árvores falam com o vento.
À entrada da cidade, apesar de continuar a chover, desenhou-se um arco-íris. Foi como se as cores ténues lhe pusessem a mão no ombro.
Está de passagem. Nasceu no edifício defronte, mas pátria se a tem, é no terraço à beira do pinhal, na encosta do monte. Por lá se queda, contrariando qualquer possibilidade de estar no contexto urbanístico e contemporâneo, o do fresco espírito da inovação. Aos trinta anos aproximou-se do mar e do campo, para fora do ruído de máquinas e homens e dos grandes blocos contentores/bloqueadores do olhar e do espaço. Desconhece a urbe que a viu nascer.

Caminhou, e pouco depois estava perdida. Já muitas vezes andara por ali, conhecia as ruas, mas tudo lhe parecia uma massa homogénea e parda. Os prédios mudavam de lugar para a confundirem, as largas ruas moviam-se, e sem que percebesse, estava novamente no ponto de onde tinha partido. O trânsito impedia-a de passar, os sinais estavam intermitentes e as pessoas não a ouviriam, mesmo que gritasse. Extenuada, encontrou por fim o lugar. Afinal estivera naquele mesmo edifício tantas vezes nos últimos tempos. Dois andares abaixo do que procurava, era o consultório do ginecologista obstetra que acompanhara a sua última gravidez e onde vira o filho pequeno, ainda dentro de si. Concluiu que se perdera por se sentir perdida.
De volta a casa, nada lhe pareceu mais certo do que “O Guardador de rebanhos” de Fernando Pessoa.

"Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo…
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura…
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver."

Excerto do livro "A casa de Juno" de Joana Imaginário

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